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A Imagem Corporal e as sensações na prática do Rolfing® e do SE®

Redação ABR

Autora: Raquel Motta

Nossos estudos sobre Imagem Corporal, assim como nossa experiência prática com Rolfing® e Experiência Somática®, têm mostrado a importância da identificação e da valorização das sensações, como elemento norteador na revelação do universo existencial do sujeito.

Tanto as abordagens acima mencionadas como os estudos sobre a imagem do corpo consideram que pensamentos e sentimentos têm conexão com a dimensão física do ser humano.

Dessa maneira, dores e tensões musculares são vistos como sintomas sistêmicos e não simplesmente referentes a uma questão biomecânica. Levamos em consideração que as necessidades das pessoas, muitas vezes inconscientes, manifestam-se corporalmente por meio das mais variadas sensações que podem ser experimentadas sob a forma de tensões.

Essas sensações, “não desejadas”, por assim dizer, existem com o propósito de buscar alguma satisfação, através de uma mudança no comportamento e são investidas de sentido e significados. Por exemplo, uma dor de cabeça pode levar uma pessoa a reconhecer que precisa de mais descanso, assim como, uma dor nas costas pode sugerir uma reflexão sobre como as atividades diárias estão sendo executadas.

O corpo é o local de origem de nossas necessidades e desejos. Tanto a percepção do ambiente no qual vivemos, quanto o estado de tensão muscular e articular podem bloquear ou dificultar as respostas que levariam à experiência de satisfação. Entrar em contato com as sensações pode ser a chave para a identificação do que precisamos. Com base nelas, podemos orientarmos em relação à nossa forma de sentir, reconhecendo seu significado e integrando postura e ações aos nossos desejos e pensamentos.

Consideradas por Tavares (2003) como o eixo articulador do desenvolvimento da imagem do corpo, as sensações corporais são vistas pela autora como o elemento construtor da identidade do sujeito. Depois da visão integrada da imagem corporal apresentada por Schilder, temos considerado cada vez mais a dimensão física do sujeito como o lugar no qual o indivíduo tem experiências afetivas e sociais.

Sacks (2003) narra sua experiência pessoal, pontuando a importância da valorização das sensações em um processo de reabilitação. O autor comenta que a neuropsicologia é admirável, porém exclui a psique tendo em vista que estuda os mecanismos relacionados às sensações, não dando devida importância ao que o paciente realmente sente.

Tanto Tavares (2003), quanto Schilder (1999) e Sacks (2003) apontam que as experiências e as ações das pessoas têm como base uma identidade corporal.

Pesquisa com Imagem Corporal, Rolfing® e SE®

 Nossa pesquisa com Rolfing® (Motta, 2003) avaliou a imagem corporal antes, durante e depois das dez sessões. Discutimos as sensações em determinadas áreas corporais, referidas pelos clientes.

Nessa pesquisa, dez sujeitos submeteram-se a dez sessões de Rolfing®. Percebemos ao término da pesquisa que ao submeter-se às sessões, uma pessoa pode entrar em contato com suas sensações corporais, associando-as a pensamentos, emoções ou mesmo dando novos significados aquilo que já sentia, antes mesmo de ser trabalhado.

Em nossa pesquisa, ao ser tocado em determinada parte, o sujeito muitas vezes não identificava a parte exata da qual estávamos tratando. Outras vezes, a pessoa não sabia o que sentia em um determinado local e, em outras situações ainda, o cliente sentia o corpo até determinada parte e depois não sentia uma parte vizinha, por exemplo.

Para compreendermos um pouco mais a complexidade desse fato no trabalho aplicado do Rolfing®, lançamos mão da abordagem da

Experiência Somática (SE®). Constatamos, então, que a ausência de sensações era decorrente do processo de sobrecarga perceptiva acionado em inúmeras situações da vida do sujeito.

Descrita por Levine (1997) e Scaer (2001), essa sobrecarga é qualquer experiência que sobrecarrega os sentidos, além do que a pessoa é capaz de integrar.

Levine refere-se a esse fenômeno fazendo uma analogia com um jogo de quebra-cabeça. O autor pontua que quando começamos a montar esse jogo, a maneira mais fácil de começar é pela moldura e depois procurando as peças que formam seu interior. O mesmo acontece com nosso corpo.

Segundo o autor, as sensações corporais representam nossa moldura. Elas garantem um contorno através do qual o sujeito experiência a vida. Esse contorno determina a presença da pessoa no momento atual; na ausência dele, o sujeito apenas pode notar sua falta.

Tanto o Rolfing® quanto o SE® foram modelos interessantes de abordagem corporal, nos quais as sensações foram reconhecidas e valorizadas como sendo próprias do indivíduo. Fizeram sentido, tiveram significado.

Todo trabalho foi orientado para que a pessoa aprendesse sobre si mesma, por meio de seus movimentos ou mesmo pela ausência deles. Durante a pesquisa, percebemos uma dificuldade dos clientes em, primeiramente, relacionar desconforto físico com dinâmicas de seu relacionamento pessoal/profissional no cotidiano.

Constatamos também que a partir do momento em que essa relação foi sugerida pela rolfista, houve certa estranheza inicial por parte de alguns clientes, como se não fosse uma informação coerente.

Percebemos, entretanto, que a não resistência em associar desejos e frustrações como algo real expresso em seus corpos deu condições para que diversos sintomas dos clientes fossem transformados.

Sobre essa constatação, apoiamo-nos no pensamento de Schilder (1999), que sustenta a ideia de que questões relativas à imagem do corpo referem-se também à mudança na atitude psíquica do indivíduo. Lembramos também que Levine (1999) pontua que toda experiência somática do sujeito é uma gestalt entre os seguintes elementos: sensação, imagem, comportamento, afeto e significado. O autor explica que qualquer experiência de sobrecarga perceptiva pode dissociar um ou mais desses elementos, ou mesmo acoplá-los de maneira que o indivíduo perca a capacidade de relacionar, por exemplo, um comportamento com seu significado ou mesmo uma sensação com um afeto.

Sobre a estranheza dos clientes em relacionar os aspectos físico, emocional, mental e espiritual como expressões de uma mesma personalidade, também fizemos as seguintes considerações: Talvez a prática do movimento, orientada de forma mecânica, com muitos estímulos visuais e auditivos, não dê espaço para as pessoas considerarem suas sensações e percepções durante uma atividade física. A falta de informação de profissionais que trabalham com o movimento, sobre as relações entre as diversas áreas corporais como componentes de um organismo relacional, tanto anatômico quanto emocional e energético, também pode ser uma explicação sobre a falta desse conhecimento como algo real e comum. A coerência das abordagens corporais utilizada em nossa pesquisa foi possível, uma vez que considerou o processo de desenvolvimento dos clientes. Foram abordagens semelhantes nesse sentido e complementares na prática. Notamos que o conceito da imagem corporal permeava essas abordagens, tendo em vista que considerava o papel essencial do corpo como o instrumento de construção da individualidade do sujeito.

No desenvolvimento de nossa pesquisa, notamos também que essa forma de olhar a complexidade humana, considerando diversos aspectos igualmente importantes, é considerada sistêmica por Capra (1996). De acordo com ele, quando consideramos as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, como propriedades de um todo, estamos fazendo uma leitura sistêmica desse organismo.

Segundo o autor, as propriedades que caracterizam os organismos vivos complexos surgem das interações e das relações deste organismo consigo mesmo, e com o ambiente no qual vive.

Capra acrescenta que essas propriedades são destruídas quando o sistema é dissecado, mesmo que teoricamente. A noção de que o desenvolvimento e a aprendizagem realizam-se por meio de interações feitas pelo organismo, no meio em que vive, durante um período de tempo, contribui com elementos para considerarmos que qualquer tipo de conhecimento se dá mediante um processo. Entendemos que, tanto o Rolfing® quanto o SE®, subsidiados pela imagem corporal, consideram a formação e o desenvolvimento do indivíduo no decorrer do processo de vida.

Partimos, então, do princípio de que a coerência de práticas e conceitos relacionados ao ser humano desenvolvem-se valendo-se de pensamentos que consideram a estruturação do sujeito, mediante um processo de desenvolvimento da identidade corporal, expressa pela imagem que o sujeito tem do próprio corpo. O Rolfing® e o SE® destacam-se entre muitas outras práticas que visam a forma e a performance tendo em vista que ao final de nossa pesquisa todos os sujeitos modificaram a própria imagem.

 

Considerações finais

Com base em nossos estudos sobre a imagem corporal, compreendemos que o universo relacional do sujeito, formado pelas sensações e consequentes percepções que tem do mundo, constituem uma experiência singular, uma vez que sustentam pensamentos, crenças e sentimentos próprios. Este mundo particular constituído pelo sujeito tem uma história desde sua concepção, vida intra-uterina, desenvolvimento na infância, adolescência, até a vida adulta e seu consequente envelhecimento.

Cada parte do corpo do sujeito tem uma representação que foi, ou não, construída durante a vida e está investida de significados.

Durante um trabalho corporal, notamos que ao constatar a existência do próprio corpo, o sujeito é capaz de referir-se a uma sensação. Se a relação terapeuta/cliente dá-se em um ambiente seguro e de confiança, a pessoa pode relacionar suas sensações com atitudes que constantemente tem no dia-a-dia, dando assim um significado para suas ações.

A imagem corporal constituída pelas emoções, crenças, dotadas de significados, parece-nos ser o primeiro aspecto possível de ser transformado no sujeito. Notamos também que qualquer intervenção corporal precisa passar necessariamente pela imagem que a pessoa tem de si mesma, como se fosse a porta de entrada para uma mudança do tônus muscular e da coordenação.

Tanto o significado quanto a percepção que o sujeito tem do ambiente, das pessoas e de si mesmo precisam ser levados em consideração se tivermos a intenção de trabalhar com o movimento corporal humano. Um corpo alinhado, integrado na gravidade, traz consigo presença e humanidade. O que faz do sujeito ele mesmo é algo que pode ser construído na relação com sua família de origem e mais tarde com outras pessoas no mundo. As constantes transformações que a imagem corporal do sujeito sofre nas diversas relações garantem um desenvolvimento contínuo e o fluir da vida, uma permanente “destruição e reconstrução da imagem corporal” (Schilder,1999). A primeira transformação possível quando queremos uma integração da estrutura corporal humana, na gravidade, parece-nos ser uma mudança na subjetividade. Nossa capacidade de ver, não no sentido de ter olhos, mas a possibilidade de formar uma imagem do ambiente com nossos ouvidos e também com nossos pés. A responsabilidade dos diversos profissionais que se interessam por trabalho corporal, dá-se tendo em vista que consideram a forma do corpo de uma pessoa como expressão da imagem corporal do sujeito e não simplesmente como falta de força ou encurtamento em algumas áreas. O tônus e a coordenação motora estão intimamente ligados à percepção e ao significado do movimento. As sensações corporais parecem-nos ser o primeiro aspecto a ser considerado na experiência do sujeito que se movimenta, se quisermos começar a ter acesso às pessoas, sem estarmos no lugar da interpretação ou mesmo do julgamento.

 

Referências bibliográficas

Capra, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996.

Levine, P. O despertar do tigre: curando o trauma. São Paulo: Summus, 1999.

Motta, R. Avaliação da imagem corporal durante o processo do Rolfing. Campinas, 2003. Dissertação (mestrado em Educação Física) – Unicamp.

Sacks, O. Com uma perna só. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Scaer, R. The body bears the burden: trauma, dissociation and disease. Binghamton: Haworth Medical, 2001.

Schilder, P. A imagem do corpo: as energias construtivas da psique. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Tavares, M. C. G. C. F. Imagem Corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri: Manole, 003.

 

*Artigo pulicado na edição 24 do Informativo ABR em Novembro de 2007.

 

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